Rompendo barreiras reais: como incentivar a participação feminina no voo livre

11 de janeiro de 2024 - Por Inahiá Castro

Por Inahiá Castro

O fato da participação feminina em atividades majoritária ou prioritariamente praticadas por homens ainda ser notícia ou tema de destaque, por um lado tem grande importância no contexto histórico e cultural que vivemos, mas por outro denota o quanto ainda temos a caminhar para conquistar a tão sonhada igualdade de gênero. E isso só vai acontecer quando as sociedades tratarem como normal e natural que mulheres façam qualquer coisa, e que isso não seja mais uma novidade.

Se bem que, comportamentalmente, podemos considerar que muito se avançou nesse sentido em diversas culturas, mas há ainda um longo caminho a ser trilhado. Cultural e historicamente, os motivos que levam as mulheres a serem minoria em atividades e esportes radicais são conhecidos. Especificamente, no caso do Voo Livre, a prática não privilegia nenhum gênero. As habilidades necessárias como técnica, sensibilidade, disposição, além do conhecimento teórico e das regras de segurança, são as mesmas para homens e mulheres, não fazendo diferença a força muscular que normalmente distingue os gêneros no que tange às características físicas.

Mas, então, por que mulheres ainda representam um número tão baixo de praticantes do Voo Livre a ponto de muitas vezes não preencherem nem a quantidade mínima de 10 vagas em competições oficiais, necessária para a criação e premiação da categoria Feminino? O que seria preciso fazer para incentivar a participação feminina no nosso esporte?

Obstáculos das mulheres no voo

A resposta é simples. Mulheres precisam de rede de apoio. Exatamente pelas mesmas questões históricas e culturais, as mulheres acumulam muitas funções sociais que também podem ser exercidas pelos homens, mas sobre as quais não são tão cobrados, e para as quais muitas vezes nem se sentem comprometidos.

Um piloto do gênero masculino nunca será questionado sobre com quem deixa os filhos quando vai voar; também raramente deixaria de participar de algum evento de voo caso este aconteça na data de aniversário de um filho, pois substituem mais facilmente a sua presença física por um telefonema ou videochamada, ainda que carregados de amor e atenção. As cobranças sociais ainda são muito distintas.

Somado ao acúmulo de funções e de expectativa de comportamento social que recai sobre a maioria das mulheres, ainda há o risco mais iminente para as que se aventuram em voos de distância e pousam sozinhas em lugares ermos. Isso não impede que mulheres façam seus voos de Cross Country, mas é mais um fator desfavorável. As que fazem, procuram garantir a companhia de alguém ou fazem mesmo enfrentando o medo, que está sempre presente.

Nesses quase 31 anos em que eu voo de Parapente, vi mulheres começarem a praticar o esporte e pararem porque se tornaram mães; porque começaram a se relacionar com homens que não aceitavam que elas voassem; porque eram dependentes financeiramente de seus maridos e seus sonhos nunca eram prioridades; porque até começaram a praticar o esporte junto de seus companheiros, mas abandonaram para se tornarem resgate deles; e até porque foram hostilizadas e desrespeitadas por alguns pilotos homens quando começaram a se destacar no esporte; entre outros inúmeros exemplos. Isso para listar apenas os motivos que poderiam ser socialmente contornáveis.

Entre as frases machistas e preconceituosas que mulheres que voam costumam escutar, podemos citar: “Fulana voa como homem” (sugerindo que isso seja um elogio); “A condição estava tão boa que até fulana chegou no Goal”; “Você não fica com medo de morrer e deixar seus filhos sem mãe?”; “Fulana ganhou a prova porque os caras afrouxaram”; “Os homens estão fracos, até mulher está entre os 10 primeiros”; “Essa mulher é muito macho voando (também supondo ser um elogio)”... e por aí vai. É bastante cansativo para quem ouve e deveria ser motivo de reflexão para quem fala. O machismo estrutural faz parte de nossa cultura e é um trabalho individual desconstruí-lo e evoluir.

Como fortalecer a presença feminina

Então, se há algo que pode ser feito para incrementar a participação feminina no esporte, é exercitar empatia e aumentar a rede de apoio e respeito a essas mulheres. Que pais, familiares e amigos possam ajudar a cuidar dos filhos quando elas quiserem fazer um voo; que namorados, companheiros e maridos apoiem essas mulheres no que elas precisarem; que colegas do esporte as tratem com igualdade e, principalmente, que a sociedade, de maneira geral, não lance pré-julgamentos sobre quem quer que deseje praticar esse esporte, seja por seu gênero, idade, padrão corporal ou limitações físicas.

O Voo Livre tem o potencial de carregar a bandeira de ser o mais democrático dos esportes. Pode ser praticado por homens, mulheres, adolescentes (em alguns países até por crianças), idosos e pessoas com deficiência. Temos todos os elementos para que essa seja a principal característica do nosso esporte. Que todos possam decolar para esse voo da igualdade, subir nas termais do respeito, navegar pelos ares da empatia e, juntos, chegarem no goal que celebra a amizade, alegria e felicidade que o Voo Livre nos proporciona.

Bons Voos!

Mais Notícias

Parceiros