Proteção de coluna nas seletes de parapente: o papel do protetor, o impacto do jerk e o que todo piloto precisa saber

25 de novembro de 2025 - Por Lucas Axelrud

Introdução

A evolução dos equipamentos de voo livre trouxe inovações importantes: seletes mais leves, compactas, aerodinâmicas e confortáveis. Mas junto com essa modernização, surgem também dúvidas e, infelizmente, uma sensação equivocada de segurança. Um dos pontos mais críticos nessa discussão é o real papel dos protetores de coluna das seletes. O que eles de fato protegem? Em que tipo de impacto? Como funcionam? E o que ainda não é mensurado nas certificações?

Este artigo é um convite à reflexão e à informação. Vamos esclarecer o que a proteção oferece, seus limites, e também trazer conceitos avançados que estão entrando na pauta técnica internacional, como o "jerk". Tudo isso com um objetivo: fortalecer a cultura de segurança do voo livre brasileiro.

1. O que dizem as certificações atuais

Os protetores de coluna instalados nas seletes são testados segundo a norma EN 1651, que trata dos requisitos de segurança e testes de resistência estrutural.

O teste mais comum em laboratório simula uma queda vertical de aproximadamente 165 cm, com um boneco de 50 kg representando um piloto de cerca de 80 kg sem o uso das pernas. A velocidade de impacto estimada é de 5,6 m/s, o que equivale a um pouso controlado com paraquedas reserva. Durante o teste, a força G resultante deve permanecer abaixo de 50 G, e o tempo de impacto deve ser inferior a 25 milissegundos para que o protetor seja considerado eficaz.

Contudo, esses testes simulam apenas um cenário muito específico: impacto vertical e direto. Não são contempladas situações com impactos oblíquos, laterais, rotações ou pancadas contra objetos duros, o que ocorre frequentemente em acidentes reais. Portanto, o piloto deve estar ciente de que essa certificação representa apenas uma parte da equação da segurança.

2. A duração e a violência do impacto: o papel do jerk

Um conceito frequentemente negligenciado nos testes de impacto é o jerk, que representa a variação da aceleração ao longo do tempo. Em termos técnicos, é a derivada da aceleração. Enquanto a desaceleração (G) nos diz o quanto a velocidade é reduzida, o jerk indica o quão rápida e abruptamente essa redução acontece.

Estudos sobre tolerância do corpo humano a impactos, como os desenvolvidos pela NASA em testes de aceleração para astronautas e bancos ejetores, demonstraram que a velocidade com que uma força é aplicada pode ser tão ou mais danosa quanto a intensidade dessa força. Um impacto com pico de 40 G distribuído em 30 milissegundos pode ser menos prejudicial que um pico de 30 G aplicado em apenas 5 milissegundos. Essa diferença está diretamente relacionada ao jerk.

Apesar da relevância, esse parâmetro ainda não é oficialmente incluído nas normas atuais de certificação para parapente. Mas ele tem sido cada vez mais discutido em comissões técnicas e entre especialistas do setor. No futuro, espera-se que critérios mais abrangentes, como o jerk, passem a compor os testes padrão.

3. O mito do pouso nas costas: a falsa sensação de segurança

Com o conforto e a confiança que as seletes modernas oferecem, é comum que pilotos acreditem estar protegidos contra qualquer tipo de impacto. Esse é um erro perigoso. A realidade é que, em um pouso forçado, confiar exclusivamente no protetor de coluna pode resultar em lesões graves ou irreversíveis.

A recomendação mais segura e amplamente difundida entre especialistas é: absorva o impacto com as pernas sempre que possível. Mesmo que o resultado seja uma fratura em membro inferior, a alternativa de impactar diretamente com a coluna vertebral traz riscos incomparavelmente maiores. Nossos membros inferiores possuem musculatura e estrutura óssea adaptada para dissipar energia. A coluna, não.

Essa orientação é especialmente relevante quando consideramos que os protetores podem não estar posicionados corretamente, podem estar degradados por uso ou não serem abrangentes o suficiente para cobrir toda a região lombar e torácica.

4. O desafio das seletes de competição e os cuidados com os airbags

No universo das competições, as seletes tipo "submarino" têm dominado entre os pilotos de alto rendimento. Seu design aerodinâmico busca oferecer o menor arrasto possível durante os voos de distância e performance, e para manter o volume reduzido, muitos fabricantes passaram a utilizar protetores físicos mais compactos como o Koroyd.

O Koroyd é um material estruturado em forma de colmeia tubular, capaz de absorver energia de impacto com relativa eficiência, mesmo em espessuras muito finas. No entanto, sua performance ocorre muitas vezes no limite superior da norma de certificação, ou seja, ele atende aos critérios exigidos nos testes laboratoriais, mas sem margem de segurança significativa para cenários que extrapolem os parâmetros de queda vertical.

Isso levanta um alerta: materiais com espessura reduzida, ainda que tecnologicamente avançados, podem ter uma resposta pior ao jerk — especialmente em impactos mais bruscos e com tempo de desaceleração muito curto. Em outras palavras, o pico de G pode estar dentro da norma, mas a forma como essa energia é transferida ao corpo pode ser mais agressiva.

Outro ponto crítico envolve os airbags utilizados em diversas seletes, especialmente nos modelos intermediários ou voltados ao conforto. Embora ofereçam uma boa área de proteção, sua eficiência está diretamente ligada ao estado de conservação do equipamento.

Com o tempo, os tecidos sofrem desgaste por fricção, exposição aos raios UV e compressão excessiva. Há também um comportamento comum entre pilotos que pode comprometer a vida útil do sistema: o hábito de pousar de forma abrupta, "de bunda". Além de causar danos ao tecido, esse impacto repetido pode afetar a câmara de ar, reduzir sua pressurização e, consequentemente, comprometer a capacidade de absorção de energia em situações reais de acidente.

A mensagem é clara: pilotos que utilizam seletes com airbag devem adotar rotinas de inspeção frequente e ter cuidado com hábitos que levem à degradação precoce do material. Segurança passiva é um recurso valioso, mas que depende diretamente da forma como o equipamento é utilizado e preservado.

5. Boas práticas para pilotos: o que observar e como agir

Compreender os limites da proteção não significa rejeitá-la, mas saber como usá-la da melhor forma. Algumas orientações práticas para todos os pilotos:

  • Analise o volume e a posição do protetor: verifique se cobre também a parte superior da coluna, não apenas a região sob o assento.

  • Tenha consciência dos limites da proteção: o uso das pernas em um impacto podem preservar a coluna mesmo com a presença do protetor.

  • Avalie o estado geral do equipamento: airbags com material desgastado, costuras comprometidas ou tecido deformado podem falhar no momento do impacto.

  • Evite comportamentos que acelerem o desgaste: sentar bruscamente durante treinos ou transportar com peso excessivo pode comprometer o desempenho da proteção.

  • Reavalie prioridades na escolha da selete: performance é importante, mas segurança é essencial. Leve em conta o seu tipo de voo e o seu nível de experiência.

6. O futuro das certificações e da segurança real

O debate técnico internacional está em andamento. Especialistas discutem a revisão dos padrões de certificação para que contemplem:

  • Impactos em diferentes direções (não apenas verticais)

  • Cálculo do jerk como parâmetro adicional

  • Critérios geométricos mínimos de cobertura (altura e largura do protetor)

  • Durabilidade real do equipamento após uso prolongado

Enquanto essas mudanças não chegam, cabe a nós, como comunidade, promover a cultura da consciência e da prevenção. Pilotos bem informados fazem escolhas melhores, cobram fabricantes, compartilham experiências e ajudam a elevar o nível geral de segurança no esporte.

Na dúvida, escolha sempre o que protege mais. E lembre: voar bem é voar com consciência.

Vamos juntos fortalecer a comunidade do voo livre com mais informação, responsabilidade e segurança.

Crédito da imagem/ Image credit: Neo Paragliders

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