Envelhecer voando

O privilégio e os desafios de passear pelos céus por muitos anos

08 de fevereiro de 2024 - Por Inahiá Castro

O ano era 1993, no auge dos meus 25 anos, com colágeno, cálcio, hormônios equilibrados, agilidade, disposição e muitos planos, me lançava da montanha para meu voo de formatura no Parapente. A juventude pulsava dentro de mim e a possibilidade de realizar o sonho da vida toda me enchia de felicidade, liberdade e plenitude.

Os planos de longo prazo não ocupavam muito espaço na minha mente. A programação mais elaborada era onde voar no próximo final de semana, no feriado, no dia seguinte. Passar o resto da vida voando era um objetivo claro, mas nós nunca pensamos como isso vai acontecer de fato.

Em 2024 completo 31 anos de voo livre com um pequeno intervalo na prática do esporte quando me tornei mãe e por intercorrências da vida adulta que tentam nos tirar do voo, mas o voo nunca sai de dentro de quem já o experimentou. Na minha cabeça, eu voei todos os dias desde aquele voo de formatura.

Mas o tempo, meu parceiro de aventura, também voa, e hoje, aos 56 anos de idade, ainda que minha paixão pelo esporte continue pulsando como no início, às vezes me assusto com algumas mudanças, noutras convivo com elas pacífica e sabiamente. Até acho que aproveito melhor cada momento dedicado ao Voo Livre agora, sem tanta ansiedade e com expectativas mais reais.

Na minha experiência pessoal, venho reconhecendo, encarando e respeitando as mudanças que o tempo me impõe; e são quase todas físicas. A alma não envelhece. Hoje não enxergo bem como aos 25 anos, mas os óculos ou lentes de contato me auxiliam. Não tenho mais a mesma agilidade para decolagens radicais, então, me preservo. Já não possuo a mesma estrutura óssea e muscular para andar por horas com minha mochila nas costas. Minha meta são os pousos oficiais ou onde posso esperar pelo resgate sob a sombra gentil de alguma árvore na beira da estrada.

Procuro cuidar do meu corpo mais de forma funcional que estética. Me preocupo mais em ter força do que em não ter rugas. Sempre que posso, faço treinos de inflagem no solo. Atualmente, leio mais sobre teorias e técnicas do que antes.

Ser chamada de “senhora” na rampa, por pilotos que hoje têm a idade que eu tinha quando comecei a voar, ainda está entre as coisas que eu estranho. Já havia pilotos mais velhos quando eu era jovem, e nunca me ocorreu praticar o que meus interlocutores hoje chamam de “respeito”. Mas, nunca reajo mal; apenas sorrio e digo ‘pode me chamar de você!’.

Percebo que as limitações sobre envelhecer voando vêm mais de fora e dos outros do que de dentro e de mim mesma.

– A senhora ainda voa?

– Voo sim (resposta com sorrisinho) – Nossa, que legal (mas alguns não disfarçam o olhar de julgamento)

– Quando você pensa em parar de voar? (essa normalmente vem de parentes)

Os diálogos, em geral, me divertem. Uma das vantagens de envelhecer é se importar cada vez menos com a opinião alheia. Isso é outra forma de liberdade.

Sempre repito que o Voo Livre é o mais democrático dos esportes. Jovens, idosos, altos, baixos, leves, pesados, com ou sem limitações físicas podem experimentar a incrível sensação de voar, basta terem disposição e entenderem quais ajustes pessoais precisam ser feitos para que o resultado seja alcançar felicidade com isso.

Poder compartilhar rampas, céus e rodas de conversa com tantos amigos que começaram no esporte junto comigo ou até antes é um privilégio imenso. Me encanto olhando as marcas do tempo nos nossos rostos e corpos porque em todos eu vejo a mesma alma jovem, alegre, cheia de ótimas histórias construídas em tantos anos de uma vida totalmente normal, mas completamente incomum como a que temos. Sonhos não envelhecem…

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