Convivendo respeitosamente com os CBs

01 de novembro de 2022 - Por Lucas Machado

Os cumulonimbus (Cb) representam grandes perigos, muitas vezes subestimados, para os pilotos de voo livre. Saber prever sua ocorrência, identificar sua presença e antecipar seu desenvolvimento e suas influências são requisitos fundamentais para que possamos conviver harmoniosamente com estes monstruosos fenômenos da natureza.

Cumulonimbus é uma nuvem convectiva que produz chuvas e relâmpagos. Muitas vezes resultam na precipitação de grandes granizos, fortes rajadas de vento e tempestades intensas. As nuvens Cb são as únicas que produzem raios, embora nem todo Cb apresente descargas elétricas.

Cb’s se originam de uma nuvem cumulus congestus, que continuou a se desenvolver verticalmente. Habitualmente, após o desenvolvimento vertical em forma de “torre”, o topo se expende horizontalmente, limitado pela inversão térmica, e assume a forma de uma “bigorna”. Esta configuração já denota intensa atividade convectiva e o desfecho em vendaval e tempestade é iminente.

Algumas características peculiares indicam a ocorrência de uma condição meteorológica de grande instabilidade, que propiciam o superdesenvolvimento de Cb’s. São elas: vento que diminui de intensidade e que muda de direção repentinamente, grandes ascendentes que sobem constantes, com moderada razão de subida e sem turbulência, ascendentes de ocorrência mais frequente nos vales do que nas montanhas, e a formação de vários e grandes cumulus convectivos de surgimento e desenvolvimento repentino, apresentando base bem delimitada e escura.

Outro aspecto envolvendo o comportamento e intensidade dos efeitos de um Cb está relacionado com a quantidade de ciclos que o alimentou. Se observarmos a evolução de uma nuvem de tempestade, veremos que, no início, ela é apenas um cumulus convectivo, que vai paulatinamente adquirindo maiores dimensões, mas de modo intermitente. A cada ciclo convectivo ela cresce tanto no sentido vertical quanto no horizontal.

Durante breves períodos, quando a convecção diminui pelo equilíbrio momentâneo das temperaturas ambientais, pode-se observar uma aparente e breve dissipação desta nuvem, que novamente torna a se desenvolver assim que novo ciclo convectivo se inicia. A intensidade do vendaval e da chuva decorrentes dela está diretamente relacionada com a quantidade de ciclos que a alimentou. Isto é o que explica as chuvas serem mais intensas quando ocorrem no final da tarde ou início de uma noite de verão.

A melhor maneira de predizer o surgimento de nuvens convectivas de grande desenvolvimento é através da sondagem atmosférica. Como já vimos quando abordamos a leitura do tefigrama, valores negativos no índice LIFT e índice CAPE acima de 500 indicam superdesenvolvimento e, portanto, favorecem a ocorrência de Cb’s. Na ausência de uma sondagem em determinada região, pode-se avaliar os valores previstos para estes índices nos vários modelos prognósticos disponíveis.

Convivendo com CBs

Meu ingresso no mundo do voo livre deu-se em contemporaneidade com uma tragédia ocorrida na região do lago de Como, na Itália, quando, durante uma prova em um campeonato de asa delta, vários pilotos foram sugados por um Cb. Alguns morreram de hipóxia e hipotermia ainda dentro da nuvem, enquanto outros faleceram pelo impacto no solo. Os sobreviventes sofreram congelamento de dedos, nariz e orelhas, além de politraumatismos pelos pousos acidentados. O relato desta ocorrência me fez ver, logo no início da minha carreira de voador, o risco que se corre ao se voar sob influência destas nuvens.

Ao longo do tempo, mais e mais acidentes e incidentes deste tipo ocorreram. Um dos mais famosos envolveu a piloto alemã Ewa Wisnierska, que sobreviveu a um Cb em 2007, durante um voo de treino que antecedeu o mundial de parapente na Austrália. Ewa foi sugada por um Cb, subiu a 20m/s, sendo “cuspida” pela nuvem, desmaiada e congelada a 10.000 metros de altitude.

Menos sorte teve o piloto chinês Zhongpin He, que também foi sugado por este mesmo Cb, mas foi atingido por um raio, quando estava a 5.500 metros ainda dentro na nuvem.

Não são raros os casos em que pilotos, numa tentativa desesperada de se safarem das garras congelantes e turbulentas deste monstro, lançam seus reservas, para então descobrirem que continuaram a subir, mesmo com o reserva aberto. Por estes relatos tem-se uma noção do poder destas nuvens sobre nossas frágeis aeronaves e órgãos do nosso corpo.

Mas os perigos relacionados a um Cb em plena atividade não se resumem às razões de subida extremamente altas, temperaturas congelantes, turbulências severas, escassez de oxigênio, descargas elétricas e desorientação espacial. Mesmo mantendo certa distância deles, ainda assim fica-se exposto ao “gust front ou frente de rajada, que é o resultado do fluxo do ar descendente, que se esfriou e tornou-se mais denso.

Quando uma corrente descendente de uma tempestade de chuva atinge o solo, ela se espalha em todas as direções. Esse ar que se dissipa pode se mover muito rapidamente e, à medida que se espalha, cria uma frente de rajada. Há algum tempo atrás, tivemos várias ocorrências de “gust fronts” na região sudeste, que, por ter ocorrido durante um período que foi precedido por uma prolongada estiagem, as frentes de rajada carrearam a poeira que se acumulou nesse período e várias ocorrências de “tempestades de areia” foram relatadas.

Ser surpreendido por uma frente de rajada durante o voo é a segunda experiência mais desagradável e perigosa que um piloto de voo livre pode experimentar (a primeira, como vimos, é ser sugado por um Cb). Frequentemente a velocidade do vento é, em muito, superior à velocidade máxima de um parapente e, até mesmo, de uma asa delta. Um erro comum nestas ocasiões é o de tentar pousar sob influência de um “gust front”. Melhor seria seguir voando a favor do vento e para longe dos efeitos deste fenômeno. Mas o mais recomendável mesmo é prever com grande antecedência a ocorrência destes poderosos eventos da natureza e não se expor ao risco de ter que administrar os rigores de uma condição atmosférica sob influência de um Cb.

Vem chegando o verão e urge vigiarmos os céus em busca dos sinais que indicam o surgimento desta majestosa nuvem, que merece ser contemplada... à distância, no solo e sob abrigo seguro.

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