Ponto Crítico: Conexões do paraquedas reserva — o elo que não pode falhar

Uma nova série da CBVL sobre segurança e equipamentos, por Raphael Risspoli

22 de julho de 2025 - Por Raphael Risspoli

Com este artigo, a CBVL inaugura a série Ponto Crítico, dedicada a aprofundar temas técnicos relacionados à segurança e aos equipamentos do voo livre. A proposta é clara: abordar pontos sensíveis da prática com uma linguagem acessível e foco total na segurança operacional.

A série é assinada por Raphael A. Risspoli, engenheiro aeronáutico, paraquedista, piloto de balão, parapente e paramotor. Com 15 anos de experiência no voo livre e atuação destacada no desenvolvimento e certificação de equipamentos, Raphael é responsável técnico da Baiuca Sport, empresa referência nacional no setor. Em seus artigos, ele traz análises técnicas embasadas, práticas e indispensáveis para quem quer manter seus voos seguros e seus equipamentos em perfeitas condições de uso.

Neste primeiro volume, o tema não poderia ser mais crítico: a escolha e a instalação correta das conexões entre o paraquedas reserva, o bridle e a selete — componentes cuja falha pode custar vidas.

Resumo

Este artigo aborda a importância crítica das conexões entre o paraquedas reserva, o bridle e a selete. Explica os diferentes tipos de ferragens (mosquetão, malha rápida, softlink), seus formatos corretos (oval, trapézio, delta), limites de carga, cuidados com torque e inspeções de rotina. O texto também destaca a viabilidade técnica do uso de laçadas em Dyneema como alternativa segura e leve às ferragens metálicas, e alerta sobre os riscos de se utilizar materiais sem procedência. Fundamental para pilotos de todos os níveis, o conteúdo reforça a necessidade de atenção rigorosa aos detalhes técnicos para garantir um voo seguro.

TIPOS DE CONEXÕES COM O SEU RESERVA

Sabemos que para muitos o voo é simplesmente um momento mágico, um momento que socializa com os amigos na rampa, ou se desafia em metas pessoais. Mas como diria um amigo: “-O voo de hoje começou semana passada!”

O que muitos não entendem, ou não percebem, é que o voo não depende apenas das condições meteorológicas ou do preparo psicológico do piloto, mas também das condições operacionais do equipamento como um todo — desde o simples nó do batoque até as conexões entre o bridle, o reserva e a selete.

Grande parte dos pilotos iniciantes voa com seletes que já vêm com o bridle “conectado” à selete. Porém, nem todas as seletes atuais oferecem diferentes maneiras de fazer essa conexão. Esse ponto é crítico, pois é justamente ele o “elo” fraco do sistema de recuperação.

Imagine um piloto com 100 kg em voo. Caso ocorra um colapso ou alguma configuração do parapente que demore a sair, as forças G podem aumentar drasticamente. Isso não impacta apenas o corpo do piloto, mas também todas as partes do equipamento.

No momento mais crítico, ao acionar o paraquedas reserva, a inércia faz seu papel: desenrola as linhas, estica o tecido até a abertura inicial do debrum — que é a borda do paraquedas onde começa a entrada de ar para sua completa inflação. Até aqui, nada novo para pilotos experientes. O ponto de atenção é que no momento da abertura do reserva podemos alcançar picos de força de até 5G. Considerando o peso do piloto e equipamento, isso pode chegar a 500 kg. Com o Fator de Segurança Aeronáutico, esse número pode atingir até 800 kg — os mesmos 8G exigidos no teste de carga para a certificação do parapente.

Quanto às conexões, é importante entender que cada selete possui 2 pontos de ancoragem para o reserva. Isso significa que, com 800 kg totais, cada lado precisa suportar pelo menos 400 kg. Por isso, a escolha e a inspeção dessas conexões são absolutamente essenciais.


Mosquetões, Maillon, Softlink — afinal, qual a opção mais segura?

Muitos acreditam que quanto mais pesada for a peça usada na conexão, mais resistente ela será. Mas será que isso é verdade?

Já vimos que a conexão entre paraquedas e bridle deve suportar forças que podem chegar a 800 kg. A partir disso, temos diferentes opções de conectores, e aqui vamos detalhar cada uma delas.


Mosquetão, Maillon, Malha Rápida (malha de aço)

Existem muitos fabricantes no mercado, mas o cuidado deve ir além da marca: o formato do conector metálico (ou “ferragem”) também é fundamental.

  • Formato trapézio (ou quadrado): Este é o mais usado, mas atenção — é preciso que a base do conector (a parte onde a fita da selete entra) tenha medida compatível com a largura da fita da selete, que costuma ter 25 a 28 mm. Usar, por exemplo, uma malha rápida de 40 mm de base com fita de 25 mm gera distribuição irregular de carga e pode causar deformação ou até ruptura da ferragem. O ideal é usar uma malha rápida em formato trapézio com base de 28–30 mm, compatível com o bridle.

  • Formato Delta (triangular): Se estiver usando um bridle de Dyneema com 5 mm, 10 mm ou outras espessuras mais finas, o ideal é usar a malha rápida em formato triangular (Delta). Esse formato encaixa melhor o bridle na parte superior e a fita da selete na base.

  • Formato Oval (ovalado): Em seletes ultraleves como as de Hike&Fly (H&F), onde se usa fitas mais finas (Dyneema de 10 a 15 mm), o formato Oval pode ser a melhor escolha, pois distribui corretamente a carga nas fitas estreitas. Não é indicado usar trapézio ou delta nesses casos.


Informações que devem estar gravadas na ferragem (mosquetão ou malha rápida):

  1. Nome do fabricante

  2. Norma de certificação

  3. Resistência nos eixos X e Y (em kN)

  4. WLL – Working Load Limit (limite de carga de trabalho)

Exemplo: uma malha rápida oval de 5 mm pode ter resistência de 1.400 kg, mas carga de trabalho de apenas 280 kg. Assim, o ideal seria usar a versão de 6 mm, que tem WLL de 400 kg.


Torque de aperto

Evite apertar demais as conexões metálicas. Muitas vezes, um aperto firme com a mão já é suficiente — mas o ideal é consultar o fabricante da ferragem para saber o torque adequado. A Baiuca Sport já encontrou casos em que a rosca da ferragem se rompeu por excesso de força no aperto.


Mosquetões de casa de construção NÃO devem ser usados

Peças vendidas para uso em construções não foram projetadas para suportar os picos de força repentinos de um voo. Mesmo que resistam ao peso, podem falhar na abertura do reserva. Se não tiver nome do fabricante e resistência gravados, descarte.


Softlink ou laçada (laço com corda Dyneema)

Essa é uma alternativa moderna e leve às ferragens metálicas. Desde que se respeitem os critérios de resistência e compatibilidade com o sistema, é seguro usar softlink ou laçadas.

Um bridle de Dyneema pode pesar 56 g, enquanto uma malha de aço pesa 70 g. O softlink certificado pode pesar 10 g e suportar mais de 2.400 kg. Além disso, Dyneema resiste muito bem ao tempo e pode durar mais de 10 anos sem perda significativa de resistência.

Em seletes com dois compartimentos de reserva e apenas um ponto de ancoragem, uma opção é usar malha rápida para um conjunto e softlink para o outro. Assim, evita-se o uso de ferragens adicionais.


Cuidados básicos com o bridle e conexões:

  • Verifique a conservação: a fita (em poliéster, poliamida ou Dyneema) deve estar com cor viva, sem fios puxados ou picotes.

  • Cheque as costuras: linhas esbranquiçadas, desbotadas ou puídas indicam que está na hora de trocar.

  • Laçadas devem estar bem acomodadas, sem folgas.

  • Se usar ferragem, use O-rings para manter a carga no eixo correto e evitar torções da peça.


Conclusão

Não importa qual método ou conector você escolhe. O que importa é voar com segurança, sempre respeitando as recomendações técnicas, utilizando peças certificadas e fazendo manutenções regulares.

Raphael Rispoli

Engenheiro Aeronáutico, Master Rigger e DoMPSA
Paraquedista, piloto de parapente, paramotor e balão de ar quente
Projetista e responsável técnico da Baiuca Sport

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