Entrevista com Nenê Rotor: o que esperar do Mundial de Asa Delta 2021

Equipes de todo o mundo já estão se preparando para o Mundial de Asa, que acontece na Macedônia, em julho do próximo ano

03 de dezembro de 2020 - Por Guilherme Augusto

A próxima edição do Campeonato Mundial de Asa Delta (23th FAI World Hang Gliding Class 1 Championship) vai rolar na Macedônia, em julho de 2021. Naturalmente, pilotos de todo o planeta já criam expectativas e traçam suas estratégias para conquistar o título.

Por isso, conversamos com Álvaro Figueira de Sandoli, o famoso Nenê Rotor. Com mais de 40 anos de voo e 56 de idade, o piloto é o segundo da história com mais participações em Mundiais, marcando presença em 13 eventos.

Quer saber mais sobre os bastidores de competições desta magnitude e o que esperar dos voos na região de Krusevo? Então confira a entrevista!

Seleção Brasileira em 2019, quando consquistou nossa terceira medalha de prata

CBVL: Faz uma apresentação pra gente? Quais foram seus melhores resultados voando pela Seleção Brasileira?

Nenê: O principal foi o título de Campeão Mundial por equipes, obtido na Itália em 1998. Também tivemos os vice-campeonatos de 2001, na Espanha; Brasília, em 2003; e Itália, 2019. Já individualmente meu melhor resultado foi o quarto lugar em 2003. Também teve o sétimo em 2019 e os oitavos de Valadares, em 1990, Brasília em 2017, Itália em 1998 e França em 2009. Fui o melhor brasileiro em todos os mundiais das últimas duas décadas.

 

CBVL: Diz aí, qual é a sensação de representar o Brasil numa prova mundial?

Nenê: É muito especial. Reforça o sentimento de patriotismo, de amar o nosso país, levantar a bandeira e bater a mão no peito e falar ‘eu sou brasileiro e estou representando o meu país lá fora’. O que me move no esporte é justamente isso, representar o meu país, fazendo cada vez mais bonito.

 

Nenê com seu novo cinto, nos anos 1990, que acabou se tornando importante na conquista do Mundial de 1998

CBVL: De modo geral, como é o nível técnico dos Mundiais de Asa?

Nenê: Altíssimo. O cara tem que estar realmente preparado, porque o evento cobra o máximo do nível técnico e psicológico do piloto. São provas extensas, já que no Mundial você voa cerca de 5 horas em cada dia, sendo 12 dias de competição. E o nível técnico está subindo. Hoje em dia o piloto tem que navegar muito mais do que há alguns anos, porque o raio dos pilões chega a 100 quilômetros. Então o piloto tem que saber a própria navegação e não seguir outros atletas.

CBVL: E como costuma ser o nível dos pilotos de outros países?

Nenê: Os caras voam muito, são arrojados. Os europeus, alemães, suíços, italianos, francês têm muita noção de voo. Eles não têm medo, estão acostumados a voar em alpes e locais muito fechados, com pousos restritos. Se você tiver medo fica para trás. Então eu tenho um hábito: no começo costumo voar com eles para aprender as manhas do local e depois começo a fazer minha estratégia.

 

CBVL: Na prática, qual a diferença de voar uma prova lá ou aqui?

Nenê: Lá não tem moleza. Quando chega na rampa as provas já estão escolhidas. E são provas duras. Também não tem essa de cancelar porque bateu um vento lateral - apesar de hoje haver uma regra da FAI que proíbe provas com ventos de mais de 25 km/h. E as provas costumam ser muito difíceis, a ponto de você chegar na rampa e falar ‘mano, eu não vou conseguir’. No Brasil muitas provas são canceladas sem necessidade, às vezes por influência ou pedido de alguém, algo que não rola lá.

 

Nenê tem mais de 40 anos de voo no currículo. Também, 13 participações em Mundiais

CBVL: Em tantos anos de Mundial, acreditamos que você teve vários aprendizados dentro do esporte. Pode citar quais foram os principais?

Nenê: Com certeza eu aprendi muito nesses anos. Meu primeiro mundial foi na Austrália, em 87. Eram 16 dias, sendo 8 de provas, um de descanso e outros 8 de competição. Recebi protestos por ser muito agressivo nas térmicas, sendo que acabava tirando gente delas, coisas de quem é inexperiente. O próximo foi na Suíça, em 89, e os protestos já diminuíram. Então fui me lapidando, aprendendo a respeitar os demais pilotos.

Outro aprendizado importante foi a superação de limites. Tem travessias em campeonatos deste porte em que você voa vários quilômetros sem um pouso em baixo e precisa seguir porque é a competição. Então você deve aprender a confiar na organização da prova. Além disso, tem a superação física. Depois de alguns dias você está muito cansado e precisa se manter competitivo por vários dias.

Outra coisa que aprendi foi a não desistir de ganhar altura até estar com o pé no chão. Muitas vezes o piloto está baixo, numa situação ruim, todos passam ele e então desiste. Isso já aconteceu várias comigo, estava baixo, fui ultrapassado, mas me mantive até que consegui encontrar uma boa condição, voltar ao topo e completar a prova. Porém, meu maior aprendizado é: saber que se dermos o sangue não somos inferiores a ninguém, voamos de igual para igual. Aprendi que a gente voa, inclusive, melhor do que muitos que estão lá fora.

CBVL: Dos aprendizados para os perrengues. Quais foram as maiores dificuldades que você já encontrou?

Nenê: Tive várias, mas vou citar a maior. Foi na França, 2009. Primeiro dia de competição tinha uma prova com 162 quilômetros sobre os alpes e eu tive uma série de problemas com equipamento. Meu vario era novo e ficou sem bateria. Então peguei o meu reserva, junto do capacete, que também ficou sem carga logo depois. Estava no escuro. Contei a situação aos outros brasileiros por rádio e continuei seguindo a galera, sem GPS, sem nada. O mais incrível é que eu estava tão concentrado que fui super bem, virando os pilões junto dos melhores caras. Mesmo voando no escuro fiquei em 17º no dia. Para mim foi o maior desafio superado em todos os mundiais que já participei.

Delegação Brasileira recebendo a mdelha de prata no Mundial de Asa Delta 2019, disputado na Itália

CBVL: Com 13 mundiais certamente aconteceram coisas incríveis, né? Conta aí um episódio pra gente.

Nenê: Este também aconteceu na França, em 2009. Eu saí com uma galera boa, num pelotão com pilotos da elite de vários países. O primeiro pilão era numa cruz em cima de uma montanha, então eu me liguei que o vento estava de frente e fui liftando até bater o pilão a uns 50 metros da térmica. Porém, todos os outros voaram para a esquerda, por algum motivo. Fiquei desconfiado, mas segui o meu caminho. Quando cheguei no goal achei que tinha errado a prova, mas na verdade ganhei com 13 minutos de vantagem sobre o segundo colocado. Treze minutos! Foi incrível e contribuiu pra subir meu resultado na classificação individual.

CBVL: Este será mais um Mundial na Europa. Como é a experiência de voar no Velho Continente?

Nenê: Ah, é muito peculiar. Lá a gente voa em montanhas altíssimas, vales extremamente fechados, algo que o brasileiro não está acostumado. O último Mundial, na Itália, foi o mais radical que eu já voei. O de 93 também foi muito casca, chegamos a voar acima dos 6 mil metros e precisamos usar garrafa de oxigênio! Então para voar na Europa é preciso ter outra estratégia e novas técnicas de voo.

CBVL: Como você vê o Brasil no Mundial de 2021? Podemos sonhar com o bicampeonato?

Nenê: A nossa equipe é muito homogênea, com seis pilotos que voam mais ou menos no mesmo nível - algo difícil de ser ver entre os americanos ou próprios europeus. Então acredito que se dispormos novamente da mesma estrutura e apoio que tivemos na Itália em 2019 temos tudo para obter resultados ótimos mais uma vez. Ano passado tínhamos o Fabiano, um team leader excepcional, e também contamos com apoio financeiro da CBVL, algo que rolou pela primeira vez e que nos ajudou muito. Eu acredito muito nessa equipe, de verdade, sinto que podemos até sairmos como campeões mundiais.

CBVL: Já voou em Krusevo? Vem mais casca grossa por aí?

Nenê: Apesar de ser montanhosa, a região não parece ser tão desafiadora. Os vales são maiores e não parece ser tão hard como foi na Itália, por exemplo.

CBVL: A Itália vem de uma sequência de vitórias no Mundial. São eles, novamente, os favoritos?

Nenê: Como sempre, são sim os italianos. São muito consistentes, voam muito bem, estão em casa. Não é à toa que são campeões mundiais por equipe a vários campeonatos. Acredito que o Brasil, Alemanha e França também estão entre os favoritos, na minha opinião.

CBVL: Nenê, legal demais contar com a sua experiência nesta entrevista! Quer deixar um recado final? Vai que é sua!

Nenê: Bom, só tenho uma coisa para dizer: a equipe brasileira precisa acreditar no seu taco. Eu sinto que quando a gente chega no Mundial é comum a galera se sentir desvalorizada, o que não faz sentido já que temos pilotos excelentes. Você só vai voar bem se acreditar no seu potencial. 

Então o meu pedido é esse, que os primeiros colocados no ranking brasileiro busquem formas de representar o nosso país, de participar do Mundial. E que estejam lá com muita garra, concentração, patriotismo. Acredito que se mantermos um esquema de disciplina podemos ser campeões mundiais - e até com certa facilidade.

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