Meteorologia: As forças que nos movem

07 de junho de 2022 - Por Lucas Machado

Voar por horas, percorrendo longas distâncias entre nuvens, em completo silêncio, sem o auxílio de qualquer tipo de motor é uma proeza que se tornou rotineira para pilotos capazes de interagir com poderosas forças da natureza, utilizando equipamentos incrivelmente eficientes e portáteis.

Ao voar, lidamos com o ar em constante movimento. Esse ar invisível tem massa, é compressível, elástico, expansível e exerce pressão. Ele deve ser pensado como uma grande massa que flui ao redor de todo o planeta, na camada que vai do solo até cerca de 12 mil metros acima dele: a troposfera. Essa massa de ar apresenta comportamento singular e, sendo uma só, ocorrências em qualquer região dela repercute nela toda.

O vento que percebemos é o ar em movimento, resultado de um sistema global de grande escala, que, por sua vez, sofre influência de sistemas regionais menores, de meso escala; até que peculiaridades locais o defina em uma microescala. É neste microambiente em que voamos.

Dois dos fenômenos naturais que envolvem o ar se destacam, pois definem tipos distintos de forças que nos fornecem sustentação em voo. São eles o escoamento e a convecção, sendo o primeiro relacionado ao voo de lift próximo ao relevo e o segundo ao voo de térmicas.

O vento sinótico, a massa de ar que se movimenta impulsionada por sistemas climáticos de grande escala, sofre influência do relevo por onde se desloca. Em extensas planícies, por exemplo, não há grandes perturbações provocadas por ocorrências geográficas e este fluxo de ar corre de modo laminar, diminuindo sua velocidade quanto mais próximo do solo, devido ao atrito com a superfície do terreno. Esta característica do vento ter menor velocidade de deslocamento horizontal quanto mais próximo do solo é o que define o gradiente de vento.

Por ser compressível e fluido, o ar se movimenta pelo relevo como um rio correndo em seu leito. Ao encontrar um obstáculo, o ar se ajusta e o contorna de modo a seguir seu fluxo. A forma do obstáculo é o que irá definir como o ar irá escoar por ele. Ao encontrar uma falésia ou uma cordilheira, o ar apresenta um fluxo laminar ascendente a barlavento (de onde vem o vento), que escoa a sotavento de modo turbilhonado. Assim, conseguimos planar na região onde o vento é liso e ascendente, evitando o turbilhonamento do fluxo que ocorre na parte de trás do relevo, que chamamos de rotor.

Por ser uma massa e exercer pressão, quanto maior a velocidade do vento, maior será a pressão exercida contra o relevo, criando uma zona de compressão acima do cume, que se estenderá na direção oposta ao vento, tão mais distante quanto maior for a velocidade do vento. Isso faz com que uma partícula de ar percorra essa zona de compressão com maior velocidade. O resultado prático disso é que em dias de vento forte em locais que favoreçam o voo de lift, o piloto mais alto geralmente é o que se encontra mais à frente do relevo (a barlavento).

Figura 1: Zona de compressão

Já a convecção é uma força motriz que utilizamos para voar de modo distinto. Por definição, o fenômeno da convecção ocorre em todos os processos que envolvam fluidos de diferentes temperaturas. Como expande quando aquecida, uma massa de ar imediatamente acima do solo que a aqueceu irá aumentar seu volume, diminuir sua densidade e se tornará mais leve que o ar que a cerca. Da mesma forma, uma massa de ar quando resfriada terá seu volume diminuído e sua densidade aumentada. Sob a ação da gravidade, o fluido menos denso será deslocado pelo elemento mais denso, criando um processo de circulação, o fluxo convectivo.

A tendência deste fenômeno é o equilíbrio. O desprendimento de uma massa de ar aquecida pelo solo abaixo dela tem como resultado o esfriamento deste solo. Já o deslocamento vertical dessa massa de ar quente, que chamamos de térmica e os meteorologistas de parcela de ar, cria um fluxo de baixa pressão, “sugando" o ar das adjacências. Uma vez resfriado, aquele solo que gerou o desprendimento da massa de ar aquecida, deixa de aquecer o ar sobre ele e o ar torna-se estável, até que um reaquecimento gere um novo ciclo convectivo.

Então podemos dizer, por analogia, que a Terra “respira”, sendo a inspiração a fase em que o solo se aquece gradativamente e a expiração quando ele exala uma térmica.

Essa térmica (ou parcela de ar), ao subir, vai perdendo calor para o ar vizinho, na razão de 1°C a cada 100m que sobe. Esta constante é a razão adiabática seca. A potência de uma térmica está relacionada com a capacidade de variar sua temperatura nessa mesma razão à medida em que sobe.

Já a razão adiabática saturada é de 0,6°C/100m, ou seja, uma vez o ar de uma térmica tendo condensado e formado vapor d’água na forma de nuvem, passa a esfriar menos à medida em que sobe. Eis o motivo de pilotos incautos se surpreenderem com o aumento repentino na taxa de subida de uma térmica depois que ultrapassam a base de uma nuvem.

Por princípio físico, duas massas não ocupam o mesmo espaço em um mesmo momento. Parte do processo de convecção implica no esfriamento da massa de ar, que se torna mais densa e, sob a força da gravidade, adquire um fluxo descendente. Sendo assim, em um mesmo instante, massas de ar ascendentes provocam o deslocamento de massas descendentes, na mesma intensidade e com a mesma velocidade.

Portanto, são os deslocamentos verticais das massas de ar que nos impulsionam, tanto para cima quanto para baixo. Resta-nos entendê-las e sermos capazes de ler o invisível, aproveitando todo o potencial que as forças da natureza nos oferecem.

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