Vai levar pra vida: o que Rafael Saladini aprendeu voando no Irã (entrevista)

Tetracampeão Brasileiro de Parapente e recordista mundial, piloto teve experiência inédita no Oriente Médio

05 de setembro de 2022 - Por Guilherme Augusto

Com forte ligação com o antigo Império Persa e uma cultura riquíssima, o Irã é um dos principais países do Oriente Médio. Mas e se falássemos que ele também tem grandes sítios de voo, onde é possível voar acima dos 6 mil metros de altura?!

Quem desbravou algumas regiões do país foi o tetracampeão Brasileiro de Parapente e recordista mundial de distância, Rafael Saladini. O carioca foi convidado para ministrar uma palestra sobre voos de XC aos pilotos locais e também para voar na região. O resultado você confere na entrevista abaixo.

Rafa, não é todo dia que um piloto brasileiro é convidado para expor no Oriente Médio. Como rolou a oportunidade?

- Fui convidado pelo amigo Soheil Barikani, piloto que já conheço há tempos de eventos como o PWC, e aconteceu agora em agosto. No cronograma rolou uma experiência de voo no Irã, mas antes uma longa palestra a pilotos do país. Foram cerca de 3 horas falando sobre conteúdos que já apresentei em ENPIs, a brasileiros na Super Final do PWC e a pilotos em briefings no Sertão. Conversamos sobre técnicas, recordes, competições, voo em equipe e muito mais.

Você foi o primeiro brasileiro a falar de voo livre por lá. Como a galera recebeu seu conteúdo?

- Cara, eles adoraram. Eram cerca de 180 pessoas e a grande maioria estava super atenta. Faziam perguntas, queriam participar e entender as técnicas que nós usamos aqui. Estavam engajados. Como eles costumam apenas ‘decolar e sair voando’, têm bastante a crescer em aprimoramento e estavam muito interessados na sistematização que nós fazemos no Brasil - estudar o lugar, a região, a meteorologia, as características -, algo que fortalece o nosso XC. Também curtiram o conteúdo sobre a psicologia do esporte - resiliência, consciência do próprio nível e coisas afins - e a respeito do voo em equipe.

Como é o cenário do voo lá?

- Eles sofrem um pouco com diferentes fatores, como a dificuldade para conseguir equipamentos de ponta, mas têm um potencial enorme. Há muitos pilotos bons lá, gente que faz voos de 300 ou 400 km várias vezes num mesmo ano. Um lado que ainda tem muito a evoluir é o das competições.

Bom, o Irã fica numa região muito distante da nossa e também longe da Europa, onde costumam rolar as principais competições internacionais. As condições de voo são muito diferentes das nossas?

- Completamente. É um país grande, com relevo acidentado, regiões montanhosas e até florestas, mas o que predomina são os grandes planaltos. Então é um país seco e a galera é completamente habituada a voar com vento forte e no azul, algo que costuma ser uma dificuldade para nós brasileiros. A condição também é diferente. O teto é sempre alto, na casa dos 5 ou 6 mil metros, mas em dias de nuvens - que são raros - pode passar dos 7 mil!

E… voou, não voou?

- Claro! A condição climática inviabilizou algumas coisas, mas conseguimos ter muitas experiências legais. Fizemos um triângulo de 120 km e eu também fiz voos sozinho, na casa dos 80 km e 100 km. Esta experiência de voar sozinho foi uma coisa muito louca, porque estava num lugar completamente novo e repleto de desafios - incluindo voando baixo sobre pequenos vilarejos, totalmente isolados de tudo.

Os voos foram tranquilos? Você tinha comentado em teto de até 7 mil metros…

- Então, esta foi a primeira vez que senti hipóxia por voar alto demais. Eu cheguei na rampa e rapidamente tava a 4.500 metros, onde fiquei voando por umas 3 horas. Foi tempo demais numa altura elevada demais e onde cheguei rápido demais. O corpo não estava preparado. Comecei a sentir um sono incontrolável. Cochilei umas 3 ou 4 vezes sem perceber, e sem saber por quanto tempo, quando fui acordado por turbulências. Só depois que descobri que os pilotos locais (que nunca usam oxigênio ou outros recursos, independente da altura), fazem uma mini adaptação, subindo pouco a pouco.

Bora ir além do voo? Diz aí, o que mais você curtiu com a viagem?

- Cara, foram muitas coisas, foi uma experiência antropológica pra mim, algo inacreditável. Impossível não destacar a hospitalidade, porque fui recebido da melhor forma imaginável. Também o choque cultural, já que o Irã é completamente diferente do que vemos na mídia. É um país lindo, com grande potencial turístico e tranquilidade nas ruas, sem medo de tomar um tiro ou ser sequestrado. É muito mais seguro que o Rio de Janeiro, por exemplo. Claro, também é um país que leva muita religião para a política e acaba sendo retrógrado e machista em alguns pontos.

E também me impressionei com o modo como a galera acompanha o universo do voo livre. Conhece os eventos, os pilotos, os recordes. Rolou até um episódio curioso. Depois do workshop teve uma espécie de sessão de fotos, onde eles me colocaram na frente de um backdrop e eu fiquei mais de uma hora recebendo pessoas e tirando fotos. Eles até traziam presentes, doces que faziam em suas províncias e coisas do tipo, muito inesperado. Me senti tietado, quase um ator de Hollywood… ou uma girafa num zoológico (risos).

E pretende voltar?

- Ah, com certeza. Quero voltar para ampliar a minha dimensão de voos, encarar montanhas e vulcões voando acima dos 6 mil metros. Isto vai ser um degrau para um sonho, que é voar no Paquistão. E também pelo turismo, claro. Visitar sítios arqueológicos do Império Persa, cidades antigas e outras coisas legais. Para fechar, voltar para comprar mais tapetes (que são os mais lindos do mundo!) e comer mais kebabs iranianos.

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